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APREN | O desafio digital como um ativo energético

Sara Freitas, da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN)

22/12/2025
O aumento da procura por recursos computacionais e digitais está a transformar o sistema elétrico mundial aos poucos. A digitalização, a inteligência artificial e a economia de dados têm-se posicionado como um novo tipo de consumo de eletricidade constante e massivo, e, tendencialmente, pouco flexível, obrigando a repensar a forma como se planeia, produz e consome eletricidade – e Portugal não é exceção.
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Curiosamente, foi com o processamento criptográfico e a mineração de dados (vulgo, “mineração”) de Bitcoin, há cerca de uma década, que o tema do consumo energético pelos recursos digitais começou a emergir. A passagem de uma mineração distribuída de pequena-escala para operações industriais com milhares de chips causou um forte impacto, não só no volume como no perfil de consumo em larga escala, e originou todo um novo debate sobre emissões e sustentabilidade energética.

Nisto, e com o reconhecimento de uma fatura de eletricidade cada vez mais avultada, começaram a surgir as primeiras experiências domésticas de mineração alimentada por energia solar e excedentes renováveis, mas também projetos de maiores dimensões nos EUA, antecipando o que hoje se observa com os data centres (DCs): a perceção de que não haverá infraestruturas digitais sem energia limpa e renovável, nem transição energética possível sem gestão inteligente da relação entre procura e fornecimento.

Uma oportunidade em Portugal

Graças à sua transição para um mix cada vez mais renovável, Portugal tem alcançado e mantido preços de eletricidade comparativamente baixos, o que torna o país um destino competitivo para a instalação de DCs. Além de uma elevada quota de renováveis e condições climáticas favoráveis à refrigeração, usufrui de uma conetividade internacional privilegiada, com ligação às Américas, às principais redes europeias e asiáticas através de cabos submarinos e rotas de fibra ótica.

A consultora Aurora Energy Research estima que o consumo dos DCs na Península Ibérica já ronde os 2,8 TWh por ano, ou seja, o equivalente a cerca de 1% do consumo global do setor, e que possa crescer até 12,8 TWh em 2030, traduzindo-se num aumento de mais de quatro vezes num horizonte de cinco anos. Os principais novos desenvolvimentos vão concentrar-se em Sines e Lisboa, além dos já existentes no Porto e um pouco por todo o território nacional, nomeadamente no Centro e Alentejo. O projeto em Sines, em particular, afigura-se como um dos maiores megaclusters planeados na Europa, com 1,2 GW de capacidade de computação previstos. Tal crescimento traz, porém, novos desafios relacionados com a necessidade de reforçar as redes de distribuição e transporte, de gerir a estabilidade local da tensão e frequência, e de assegurar que a eletricidade utilizada é comprovativamente renovável.

Fonte: “A Shift in Iberian Demand: From Machinery to Data Centres”, 2024, Aurora Energy Research
Fonte: “A Shift in Iberian Demand: From Machinery to Data Centres”, 2024, Aurora Energy Research.
A eletricidade para operação e arrefecimento é o principal custo operacional de um DC, caracterizado por um perfil de consumo estável, contínuo e praticamente ininterrupto, o que pode ser uma vulnerabilidade do ponto de vista da flexibilidade para com a rede elétrica, mas também como uma oportunidade: se esse consumo for alimentado por contratos de fornecimento de energia (Power Purchase Agreements, PPAs), autoconsumo local ou integração em projetos híbridos, o impacto no sistema pode ser neutro ou até positivo.

No entanto, a ideia de que os DCs são consumidores rígidos pode começar a mudar. Com o auxílio da inteligência artificial, tornar-se-á possível ajustar dinamicamente cargas não críticas, como o processamento de tarefas batch ou o armazenamento temporário, em função dos preços de mercado e das condições da rede, além de uma integração otimizada em programas de resposta da procura.

Juntando a contribuição do armazenamento em baterias, a gestão inteligente de cargas e contratos de flexibilidade, os DCs poderão mesmo contribuir para o equilíbrio da rede, participando nos mercados de serviços de sistemas e ajudando a acomodar a variabilidade das renováveis.

Deste modo, os DCs em Portugal podem assumir um papel de catalisadores de nova capacidade renovável. O Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) de 2030 prevê 93% de geração elétrica renovável, pelo que os PPAs corporativos e os sistemas de autoconsumo partilhado serão instrumentos-chave para que os DCs, com a sua procura estável, possam ancorar novos investimentos solares e eólicos, garantindo previsibilidade de receita e contribuindo para a segurança de abastecimento.

Por outro lado, os DCs podem representar um importante motor económico para o país, gerando investimento direto com impacto imediato em atividades económicas de engenharia, equipamentos elétricos e serviços especializados. A sua instalação cria emprego qualificado e induz oportunidades em toda a cadeia de valor, desde manutenção, segurança e fornecedores tecnológicos, até serviços locais, com um forte efeito multiplicador na economia.

Estes projetos podem ainda funcionar como consumidores “âncora” do sistema elétrico, promovendo o reforço da rede e incentivando soluções de armazenamento e flexibilidade. Além disso, contribuem para a modernização das infraestruturas digitais e elétricas, atraem empresas de software, cibersegurança, cloud e inteligência artificial, e impulsionam o desenvolvimento de clusters tecnológicos e inovação, aumentando a competitividade do país e a sua capacidade de atrair investimento adicional.

A nível fiscal, geram receita através de impostos associados à construção, operação, consumo energético e atividade empresarial, contribuindo para o crescimento do PIB e a criação de valor sustentável.

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Desafios no horizonte

Apesar do potencial, a integração dos DCs enfrenta claras barreiras estruturais e regulatórias. A atual infraestrutura de rede elétrica é insuficiente, os pedidos de ligação revelam-se morosos, os custos são elevados e o planeamento descoordenado entre operadores de rede, entidades licenciadoras, municípios, investidores e a própria tutela.

Considerando o exemplo dos EUA, onde a pressão é máxima, uma das respostas foi através de mecanismos de “via rápida" para projetos prioritários, o que em certos casos deu origem a centros com geração a gás local para contornar a morosidade no reforço de ligações (por exemplo, o “Data Center Alley”, na Virgínia). Esta última, mesmo sendo uma solução pretendida temporária ou para resposta a picos de procura, acabou por gerar impactos ambientais e sociais nas imediações dos projetos, expondo as fragilidades de uma má integração no planeamento energético.

Os DCs são também grandes consumidores de água, essencial ao arrefecimento, pelo que em regiões de stress hídrico a operação de clusters de inteligência artificial pode agravar a escassez deste importante recurso. Em Portugal, esta dimensão ainda é pouco debatida, mas deverá integrar o processo de Avaliação de Impacte Ambiental, sobretudo em zonas sensíveis ou com recursos hídricos limitados.

Ocasionalmente, os DCs podem também constituir fontes de ruído, de emissões locais (no caso de recurso a geração fóssil local – o que não se pretende em Portugal) e produzir impacto paisagístico. Estes estão altamente relacionados com o desafio da aceitação social, de uma forma mais ampla ou ao nível das comunidades locais que possam questionar o real benefício de projetos de grande escala, consumidores de eletricidade e água comparáveis às de uma cidade média. Processos proactivamente transparentes, produção de relatórios fidedignos de sustentabilidade, e a demonstração clara dos efeitos de medidas de mitigação e de compensação locais serão aspetos essenciais na resposta à preocupações do público.

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A produção acelerada de dados a nível mundial e o advento da inteligência artificial estão como que a redefinir a geografia energética. Os DCs são hoje parte intrínseca dessa transformação, além de simultaneamente uma promessa de progresso, são também uma fonte de incerteza para o sistema.

Portugal tem condições únicas para liderar este equilíbrio com a sua matriz renovável consolidada, o know-how técnico e orientações políticas orientadas para a neutralidade carbónica. Um aspeto deve, contudo, ser seriamente acautelado: os DCs do futuro só deverão concretizar-se através de energia renovável, caso contrário a digitalização deixará de ser parte da solução e tornar-se-á parte do problema.

Portugal tem, assim, todo o potencial para poderá transformar o desafio digital num ativo energético, exportando não só dados, mas também um modelo sustentável de desenvolvimento tecnológico.

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Sara Freitas

Doutoramento em Sistemas de Energia Sustentáveis, focado na implementação da energia solar fotovoltaica nas cidades, e Mestrado em Engenharia da Energia e Ambiente, pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Entre 2019 e 2023, foi gestora de projetos e especialista em energia na Lisboa E-Nova - Agência de Energia e Ambiente Lisboa. Desde 2024 que integra a equipa de Política e Inteligência de Mercado na APREN - Associação Portuguesa de Energias Renováveis.

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