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EPBD-2024: Necessidade ou opulência

Miguel Cavique Proprietário da CEST, Especialista em Climatização-OE e Auditor de Defesa Nacional-IDN06/02/2025
Na Europa (UE-27) em 2021, os edifícios foram responsáveis por 40-42% do uso final de energia. Dados de 2022 indicam que o parque de edifícios emitiu 34-36% dos gases com efeito de estufa (GEE). Estes valores mostram a importância deste sector e da necessidade de implementação de medidas de reconversão.
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Um dos grandes desígnios da revisão da Energy Performance of Building Directive – EPBD-2024 é a reconversão do parque edificado. A EPDB-2024 pretende acelerar a renovação dos edifícios existentes. Os edifícios renovados devem aproximar-se dos padrões do novo edificado, que terá uso líquido de energia quase nulo (NZEB).

É clara a intenção da nova EPBD em renovar o parque edificado, para actuar rapidamente sobre as emissões de GEE. Os novos edifícios serão NZEB e terão baixas emissões de carbono, mas o parque instalado manterá as emissões anteriores. A renovação do edificado demorará um século se não existirem medidas e apoios para o efeito. Para este fim, a EPBD-2024 pretende que os edifícios tenham instalações melhoradas em termos de eficiência energética e apoiadas em fontes de energia renováveis.

O objectivo deste artigo é discutir as consequências da aplicação deste desiderato.

No livro ‘A História do Futuro’, o Pe. António Vieira escreve “Mais temo eu a Portugal os perigos da opulência, que os danos da necessidade”. Esta ideia não se aplicará, provavelmente, apenas a Portugal. A Europa vive hoje numa opulência sem esforço, reflexo do trabalho do período pós-Guerra e do desanuviamento após a queda do muro de Berlim. A isso, seguiu-se uma forte expansão dos mercados com a entrada da China na Organização Mundial do Comércio em 2021.

Em menos de 25 anos, a China aumentou em 12 vezes as suas exportações e cresceu em média 13% ao ano. A China foi primeiro a fábrica do mundo Ocidental e é hoje um dos seus grandes competidores. Durante dezenas de anos, a poluição e esforço industrial passou para a China. A UE pode respirar um ambiente mais puro e ter a ilusão que se podia desenvolver sem tecido industrial. Ainda hoje, as emissões de carbono de cada país correspondem à sua responsabilidade territorial, pelo que não incluem o carbono dos bens importados. Esta dupla falácia criou na UE a ideia de superioridade moral climática.

EPBD-2024

O acordo de Paris na COP-21 é um marco fundamental na luta contra as alterações climáticas. Garantido in extremis em Dezembro de 2015 pelo ministro francês Laurent Fabius, o acordo foi assinado por 196 países do mundo, Estados Unidos e China incluídos. Cada país fez a transposição do acordo à sua realidade. Pretende-se limitar o aquecimento global do planeta, no final do século, a 1,5˚C relativamente ao período pré-industrial. Infelizmente, este aumento já foi alcançado em 2024, pelo que existirão alterações profundas no modo de vida de muitas regiões do globo.

O paradigma de evitar catástrofes provocadas pelo aquecimento global mudou. As sociedades terão obrigatoriamente de ter estratégias de mitigação e principalmente de adaptação às alterações climáticas.

A UE tem sido pioneira nos compromissos com a descarbonização da economia. Os objectivos que pretende alcançar são ambiciosos - recriar uma economia descarbonizada até 2050, conforme expresso na Lei do Clima (2021). E tem uma meta intermédia em 2030 de redução de 55% das emissões de GEE, relativamente às de 1990. Esta meta designada por “fit for 55” tem impacto nos sectores com maiores emissões de carbono - indústria, transportes e edifícios. A EPBD-2024 consubstancia a Lei do Clima no caso dos edifícios.

Grande parte destes objectivos pressupunham um quadro geoestratégico que mudou. O progressivo isolamento dos blocos impõe a reindustrialização da Europa e a sua auto-suficiência energética. A Europa terá nestes dois objectivos os seus principais desafios e as suas principais oportunidades deste século. A reindustrialização terá de apelar a novas tecnologias, mais eficientes, e a novos combustíveis.

É dentro deste novo contexto que a EPBD-2024 vai ser transposta e aplicada. A EPBD (2010-18) teve impacto sobretudo nos edifícios novos. Pretende-se agora alterar os edifícios existentes.

A EPBD-2024 propõe a criação de incentivos financeiros e de mecanismos de financiamento para apoiar os proprietários na renovação dos seus edifícios. Demonstra ainda um carácter social e de eficácia energética ao apoiar a reconversão de edifícios sociais e públicos para os níveis de performance energética dos restantes edifícios. Pretende ainda reduzir a pobreza energética e a aplicação de tecnologias limpas e disponíveis de aquecimento e de arrefecimento à generalidade das habitações, incluindo as habitações sociais.

Infelizmente, nos últimos 10 anos, a renovação de edifícios em Portugal e na UE tem sido incipiente (0,5% ao ano). Mas a ambição Europeia de cumprir a meta de descarbonização em 2050 mantém-se. Há uns anos pretendia renovar-se 2% dos edifícios ao ano, o que garantiria a renovação total em cerca de 50 anos. Perante a incapacidade de renovação, a UE propõe agora renovar 3% dos edifícios ao ano.

Sustentabilidade e habitação

O esforço de descarbonização serve a sustentabilidade da Humanidade. O conceito de sustentabilidade mais divulgado e ainda aceite é o do relatório Brudtland ‘our common future’ (Nações Unidas, 1987). Neste relatório, a sustentabilidade tem requisitos de ambiente, sociedade e economia.

Mas o termo sustentabilidade tem-se tornado sinónimo de sustentabilidade ambiental. Para isso tem contribuído a literatura científica, que em uníssono a considera como primeira prioridade. Esta visão contrasta ligeiramente com a percepção social do problema. Porquê? Por um lado, devido à censura interna da Academia relativamente a artigos contrários ao ‘main stream’. Por outro, a sociedade é sensível aos problemas do dia-a-dia, de cada localidade, que são sobretudo sociais e económicos.

Em Portugal, e na UE, vive-se hoje uma crise de habitação profunda. O fenómeno tem várias causas que originaram um aumento da procura e falta de oferta nas áreas urbanas. De acordo com o censo de 2021, existem em Portugal cerca de seis milhões de habitações para cerca de quatro milhões de famílias. Seriam suficientes, mas de acordo com o INE faltam colocar no mercado 136 mil casas para responder às necessidades habitacionais da população. Parte desta discrepância corresponde a segundas habitações de nacionais e estrangeiros, entrada de imigrantes sem habitações, e por uma lei das rendas sempre adiada por razões políticas e por interesses financeiros dos bancos.

No país há um parque de casas edificadas, vazias ou devolutas de cerca de 723 mil habitações. Em particular em Lisboa existem umas 48 mil casas sem residentes. Destas, a Câmara Municipal tem mais de duas mil casas devolutas e a Misericórdia de Lisboa um número não determinado, provavelmente da mesma ordem. No Porto, cerca de 10% das casas estão devolutas.

Mas as existências não se transformam em oferta. Isto criou um aumento do preço das habitações, colocando Lisboa como uma das cidades da Europa do Sul em que a habitação é mais cara – mais que Madrid, Barcelona ou Milão. Em geral, o preço das habitações aumentou muito na Europa, em especial na Hungria, Polónia e Bulgária. Só em Itália o preço estabilizou ou desceu. A falta de casas está a criar um problema social que se pode tornar explosivo, e só se resolve com o aumento da oferta. Esta tem de ser feita com investimento público e/ou privado em novos grandes bairros habitacionais, à semelhança do que foi feito nas décadas de 50, 60 e depois de 80 do século passado; e tem de permitir que as casas devolutas possam ser facilmente colocadas no mercado.

Estas habitações devolutas necessitam de renovação e caiem directamente no âmbito da nova EPBD!

Renovação de edifícios

Os custos de renovação de um edifício existente são muito variáveis e, em alguns casos, mesmo imprevisíveis. Por isso, a solução de grandes empreiteiros é demolir e construir de novo. No entanto, estima-se que um edifício em razoável estado, com mais de 50 anos, possa ser tornado habitável com um investimento de 150 - 250 €/m2. Mas este investimento coloca-o no quadro de uma grande renovação, ou seja mais de 25% do valor médio de construção definido como 532 € pela Portaria n.º 16/2024.

Isso implica ter de cumprir os requisitos de novos edifícios do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios (SCE). A manter-se esta imposição, o edifício terá de ser intervencionado ao nível de isolamento, instalações activas e sistemas produtores. O custo da renovação mais que duplicará. Por outro lado, ao contrário de uma reformulação interior que não carece de licença, as alterações a realizar podem obrigar a processos camarários que demoram meses a serem deferidos.

Não está em causa a capacidade financeira da aquisição de habitações renovadas. No mercado especulativo em que vivemos, as casas nos centros urbanos são vendidas a 3.000 – 5.000 €/m2. O que está em causa é a possibilidade de colocação de casas no mercado a preços acessíveis e de modo rápido.

Proposta e conclusão

A redução das emissões de GEE é uma necessidade global. Mas a necessidade de habitação é uma necessidade local! Deveremos ter habitações sociais com centrais de aquecimento e de arrefecimento, bem isoladas, enquanto outros não têm acesso à habitação? A grande maioria dos Portugueses sem acesso a habitação são jovens da classe média. Teremos opulência energética nos extremos sociais, os mais ricos e os mais desfavorecidos, mas necessidades de habitação na classe média. A EPBD-2024 não pode dificultar o acesso à habitação. Hoje, na UE e em Portugal, tem de ser resolvido o problema da habitação com o mínimo de conflitos com a EPBD.

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