2024 foi um ano cheio de novidades no que concerne ao setor AVAC, sendo a mais importante (e com maior impacto) a publicação do novo Regulamento F-Gas. O que implicou, como refere Nuno Roque, diretor-geral da Apirac, “grandes transformações legislativas e regulamentares”. Face a isto, acrescenta, “vamos entrar em 2025 com a tecnologia de refrigeração, ar condicionado e bombas de calor num processo de evolução sistémica para se tornar ainda mais eficiente em termos energéticos, ecológicos e inteligente”. Opinião partilhada por Nelson Ferreira, responsável Internacional Indústria 4.0 na Bosch, que refere que o setor de AVAC enfrenta transformações significativas impulsionadas sobretudo por metas globais de transição energética e ambientais. Metas que, adicionalmente, são acompanhadas por uma maior consciencialização para os temas da sustentabilidade, conforto e saúde. E são precisamente essas preocupações adicionais que “trazem grandes desafios para o setor do AVAC”.
Francisco Augusto, country leader Portugal da Trane, por seu lado, aponta que existe nitidamente uma maior procura de soluções de aquecimento tendo em vista a redução da queima por caldeiras. O executivo afirma mesmo que existem mesmo casos onde as unidades só frio são trocadas por bombas de calor. “Estão a ser introduzidas unidades mais eficientes para nichos de mercado, mas que irão, força da economia de escala, entrar noutros setores com o tempo”, constata.
Na mesma linha Nuno Roque aponta que, do ponto de vista ambiental, as bombas de calor serão a forma mais económica e neutra para efeitos de aquecimento e arrefecimento, embora se apresentem ainda como investimento dispendioso para os consumidores. “Os decisores políticos deverão comprometer-se inequivocamente com as tecnologias das bombas de calor, criando condições económicas favoráveis para a solução de climatização mais limpa que existe. Como medida imediata, a política deve desde logo visar a redução do custo da eletricidade para aplicações residenciais, comerciais e industriais!”, sugere o diretor geral da Apirac, que acrescenta que as Bombas de Calor constituem um forte argumento para que Portugal continue a apostar numa estratégia baseada em fontes de energia renovável rumo a uma economia neutra em carbono.
Já Pedro Soares, diretor da Thermosite, revela que há dois vetores que estão a conduzir o setor do AVAC. Não só “uma população cada vez mais exigente com o conforto térmico e da qualidade”, mas, também, “a digitalização da sociedade está a verificar-se no setor”. Resultado? “O podermos controlar e monitorizar remotamente os sistemas, deixou de ser em situações pontuais, e é cada vez mais a realidade aplicada”.
Na mesma linha, António Vieira, diretor-geral da Geoterme, considera que as novas tecnologias, as digitalizações, a inteligência artificial (IA), começam a estar presentes nos edifícios para responder aos desafios de descarbonização e transição digital.” Existe uma maior exigência técnica e de interoperabilidade entre sistemas técnicos e instalações o que traz uma maior necessidade de preparação e colaboração entre todas as entidades presentes nos edifícios. Um exemplo disso são os SACE que hoje em dia se tornaram indispensáveis – mesmo nos edifícios nos de menor dimensão”, constata.
Face a isto, e tendo em conta os objetivos da descarbonização o diretor geral da Geoterme considera “será natural que a nova tendência venha a estar no parque de edifícios existentes”. Para António Vieira é “preciso olhar para as renovações destes edifícios como uma grande oportunidade para os tornar mais eficientes e atuais, não deixando o trabalho a meio”. A isto Nuno Roque acrescenta a relevância para as futuras inspeções aos sistemas técnicos no âmbito da regulamentação do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios de Habitação, Comércio e Serviços. O diretor geral da Apirac considera este assunto como sendo da maior importância, já que os sistemas técnicos com potência superior a 70 kW estão sujeitos a um regime de inspeções periódicas. “Existem dezenas de milhar de instalações que deverão ter os seus sistemas inspecionados”, aponta.
Pegando na questão (diga-se exigência) de uma maior eficiência (nomeadamente dos edifícios) Pedro Soares refere que se está a dar uma predominância das bombas de calor, sejam sistemas a água ou sistemas de expansão direta. “No fundo a tendência é de uma eletrificação dos sistemas, com uma queda dos combustíveis e sistemas de queima. Crescem também os sistemas de produção localizada, permitindo o autoconsumo fotovoltaico”, refere o executivo. A isto junta-se uma outra tendência, a da monitorização, mais precisamente através de “dos sistemas de controlo que permitam associar quase todos os equipamentos de AVAC das nossas casas”. E isto passa por se querer controlar, a partir de qualquer parte do mundo, os consumos, algo que também permite antecipar alguma falha do sistema.
A um nível mais técnico, nos próximos anos, vão haver mudanças muito significativas. Esta é a opinião do responsável máximo da Trane em Portugal. Francisco Augusto que aponta que, “a nível de fluidos, que necessariamente irão alterar o tipo de unidades no mercado e a forma como trabalhamos” – o executivo fala em concreto de fluídos como o R290, que se está a generalizar. Fluídos esses que vão alterar “completamente a forma como as equipas técnicas vão lidar com estes produtos em obra e nas assistências”. Francisco Augusto explica que, nalguns mercados, os projetos irão trabalhar com temperaturas mais altas na produção, tendo como objetivo melhorar o rendimento das unidades e baixar os custos de exploração. O que isto implica (ou pode vir a implicar)? Que “outros tipos de tecnologia irão passar a ter mais “peso” na quota de mercado em detrimento de tecnologias mais tradicionais”.
Nuno Roque tem uma visão mais institucional do que vai mudar no setor AVAC nos próximos anos. Para o responsável máximo da Apirac há três noções que vão estar no centro das preocupações e estratégia europeia. São elas: Ambiente, Eficiência Energética e Qualidade do Ar Interior. Sendo que “as soluções tecnológicas estão a ser desenvolvidas para responder com a maior capacidade ao desafio extremamente exigente que se coloca ao setor e às empresas, em particular”.
Na vertente ambiental, como aponta Nuno Roque, há uma mudança para o uso de fluidos mais ecológicos com menor potencial de aquecimento global, que têm emissões de gases de efeito estufa significativamente menores em comparação com fluidos de gerações anteriores. Num esforço para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, os sistemas de ar condicionado estão cada vez mais integrados com fontes de energia renováveis, como a energia solar. Isto permite que o sistema funcione utilizando energia limpa, resultando em emissões de carbono reduzidas e custos de funcionamento mais baixos. O executivo refere ainda que tecnologias avançadas de purificação do ar para melhorar a qualidade do ar interior podem filtrar o pó, os alergénios e os poluentes nocivos, garantindo um ambiente mais saudável. Os sensores e algoritmos avançados otimizam a utilização com base nas condições de ocupação e temperatura, permitindo arrefecer ou aquecer apenas as áreas que o requerem, resultando em níveis de conforto ótimos e num consumo de energia reduzido.
Mas há mais. Na questão dos equipamentos há que realçar que os termóstatos inteligentes tornam-se ainda mais sofisticados, integrando-se em sistemas de domótica e utilizando algoritmos de inteligência artificial para aprender as preferências dos ocupantes e ajustar as definições em conformidade. Isto significa quer podem monitorizar e gerir várias zonas, detetar a ocupação, otimizar as programações e até fornecer relatórios de utilização de energia.
As unidades de ar condicionado estão também a tornar-se mais elegantes e esteticamente mais agradáveis, integrando-se perfeitamente na arquitetura moderna. Os designs compactos e os materiais inovadores ajudam a minimizar o impacto físico e visual destes sistemas em casas e edifícios.
Questionados sobre o papel da Comissão Europeia no futuro do setor AVAC a resposta imediata de António Vieira foi a de que o seu papel passa por “definir os objetivos e depois, através de instrumentos financeiros, apoiar a sua implementação”. A isto Pedro Soares acrescenta que essa mesma regulamentação, infelizmente aumenta a burocracia. No entanto o executivo também esclarece que sem a mesma seria difícil uma redução de práticas pouco eficientes e poluentes. “. O grande papel acaba por ser encaminhar o setor para práticas que possam permitir uma sustentabilidade da sociedade, que seria muito difícil em autogestão”, constata o diretor da Thermosite.
Francisco Augusto explica que existe uma pressão sobre os mercados, principalmente nos fabricantes para reduzir tudo o que tem impacto ecológico. Nesse sentido, acrescenta, a Comissão Europeia despoletou tudo o dito acima, descarbonização e a mudança para fluidos com GWP com zero impacto no ambiente e obviamente a melhoria da eficiência. Pelo que “sem dúvida que a Comissão tem e terá um grande impacto no setor”. A convicção do responsável máximo da Trane em Portugal é a de que os impactos serão sentidos inicialmente nas tecnologias aplicadas nos produtos, no entanto, e desta vez, com maiores implicações a nível de projeto, mas principalmente a nível dos serviços de manutenção e assistência técnica.
Nuno Roque, por seu lado, tem uma visão mais institucional do papel da Comissão Europeia. O executivo refere que esta assume papel dinamizador e impulsionador da implementação a que os Estados Membros estão obrigados. “Cabe-lhe o papel de assegurar que os objetivos são colocados na ação dos governos e de monitorizar o andamento no cumprimento desses objetivos”, refere, relembrando que este ano houve eleições europeias e alguns processos ficaram “congelados”, como é o caso do Plano de Ação para as Bombas de Calor que no início do ano ficou em espera, a aguardar que o novo executivo europeu assumisse a sua publicação.
Inicialmente a publicação do Regulamento estava prevista para o final de 2023 ou, quando muito, no início de 2024. “Recorde-se que o Plano de Ação para Bombas de Calor conterá recomendações e orientações sobre a forma de incentivar a adoção de Bombas de Calor sustentáveis para cumprir os objetivos da Lei Indústria de Impacto Zero e do Plano RePowerEU”, lembra Nuno Roque, que acrescenta que pretende-se atingir os objetivos climáticos da UE fomentando o desenvolvimento e implantação de tecnologias de descarbonização, para o que se estabeleceu o objetivo de instalar pelo menos 10 milhões de Bombas de Calor adicionais até 2027.
Na mesma linha Nelson Ferreira refere que a Comissão Europeia (CE) estabeleceu políticas e diretivas abrangentes para promover a eficiência energética e reduzir as emissões de carbono no setor AVAC, nomeadamente: a Diretiva de Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD), que determina que todos os novos edifícios devem ter energia quase zero até 2020, enfatizando a integração de fontes de energia renováveis e sistemas de AVAC de alta eficiência.
Por outro lado, convém não esquecer, acrescenta, que também a Diretiva Ecodesign, um quadro que estabelece requisitos ecológicos obrigatórios para produtos relacionados com a energia, incluindo sistemas AVAC, para garantir que cumprem normas específicas de eficiência energética e ambientais. E por último, a Diretiva relativa às energias renováveis, na qual a CE adotou novas regras, incentivando a utilização de fontes de energia renováveis em sistemas AVAC. No fundo, “estas iniciativas visam descarbonizar o setor da construção, melhorar a eficiência energética e promover a adoção de tecnologias AVAC sustentáveis em todos os Estados-Membros”.
Face a este cenário – atual e futuro – qual o papel e entidades como a Apirac e de fornecedores como os questionados? Quanto à Associação, Nuno Roque lembra que, nos últimos anos, a Apirac tem entregue diversos contributos à Tutela, “que procuraram sedimentar o conceito de comunidade setorial protagonizado pela APIRAC, que engloba ainda a APIEF e o CENTERM”. O responsável máximo da Apirac acrescenta ainda que "a intensidade de contactos que fazemos com os nossos parceiros e decisores europeus na defesa do interesse das empresas portuguesas na regulamentação e legislação europeia com incidência no nosso Setor em Portugal, que se encontra em reformulação e revisão, assume particular relevância”.
De realçar que a Apirac é uma associação setorial transversal e vertical, com mais de 500 empresas associadas distribuídas por todo o Portugal Continental e Insular, de todos os segmentos de atividade da cadeia de negócio e de variadas dimensões. “A cadeia de valor do setor representa 2.500 milhões de euros, o que corresponde a 1% do PIB nacional. São 25.000 postos de trabalho e 3% das exportações nacionais de máquinas”, constata Nuno Roque, que acrescenta que hoje há milhares de agentes de mercado orientados para a diminuição dos consumos energéticos, melhorando rendimentos, com responsabilidade ambiental e consagrando a satisfação no cliente final.
Já no que concerne aos fabricantes, como aponta António Vieira, o papel é o de (neste caso, o da Geoterme) “apoiar o mercado com as melhores soluções SACE e estar presente nas várias instituições que ajudam a promover as melhores práticas e a esclarecer estes assuntos, como a comissão das empresas de SACE da APIRAC da qual somos atualmente presidentes”.
Quanto à Thermosite, e como aponta Pedro Soares, “tentamos estar na linha da frente no desenvolvimento de equipamentos e soluções adequadas à procura do mercado. As grandes prioridades são a eficiência, o design, a conetividade, bem como o custo das soluções. Para conseguir, temos uma ligação muito próxima aos instaladores que trabalham connosco. Por um lado, para sentirmos a evolução e tendências do mercado, por outro, para formar um conjunto de profissionais que aplique corretamente os equipamentos e sistemas, para otimizar a sua performance”.
Acontece que todas estas alterações obrigam, como refere Francisco Augusto, os fabricantes a inovar. A Trane Technologies é um bom exemplo. A empresa “terá de continuar a inovar para poder acompanhar”. Porque, como constata o responsável máximo em Portuga, as alterações impostas implicam uma velocidade altíssima para os fabricantes desenvolverem produtos e soluções. No caso específico da Trane a estratégia passa por introduzir equipamentos que possam a médio prazo estar no mercado para fazer face ao exposto. “Já lançamos toda uma gama de unidades a R290, com impacto nulo no GWP, assim como também unidades com tecnologia de compressor centrífugos para fazer frente ao mercado”, exemplifica Francisco Augusto.
Já a Bosch, como revela Nelson Ferreira, definiu uma estratégia a três pilares. Por um lado, “ataca” a questão da neutralidade de carbono, a par do desenvolvimento de produtos sustentáveis e, por outro, investe em aquisições estratégicas.
“A Bosch alcançou a neutralidade carbónica (Scope 1 e 2) nas suas operações globais em 2020, estabelecendo um precedente para as empresas de cariz industrial”, aponta o responsável Internacional Indústria 4.0 na Bosch, acrescentando que a empresa Bosch investe em pesquisa e desenvolvimento para criar soluções de AVAC energeticamente eficientes, como sistemas avançados de bombas de calor projetados para alta eficiência, mesmo em condições adversas. E não esquecer que, em Em julho de 2024, a Bosch completou a maior aquisição da sua história, o que permite reforçar a sua posição no mercado de AVAC, particularmente nos EUA e na Ásia, aumentando o seu portfólio de soluções energeticamente eficientes.
Tendências que vão moldar o setor AVAC nos próximos anos
• Eletrificação e bombas de calor - a transição energética está a acelerar a adoção de sistemas de alta eficiência como bombas de calor. Esses sistemas oferecem alta eficiência energética e uma redução significativa das emissões de carbono.
• Integração das energias renováveis - os sistemas de climatização são cada vez mais projetados para se integrar com fontes de energia renováveis, como energia solar térmica ou fotovoltaica. Sistemas híbridos que combinam bombas de calor com painéis solares ou soluções de armazenamento que permitem maximizar a eficiência energética e reduzir a dependência da rede.
• Sistemas inteligentes, ligados e Gémeos digitais - a Internet das Coisas (IoT) está a revolucionar o setor AVAC com sistemas inteligentes e conectados que monitorizam e otimizam o desempenho em tempo real. Esses sistemas, em alguns casos já incluem recurso a IA ou machine learning para prever necessidades de manutenção, reduzir o consumo de energia e, simultaneamente, melhorar o conforto dos ocupantes dos edifícios, garantindo a conformidade com os padrões de sustentabilidade. Por outro lado, com os gémeos digitais, podemos simular o comportamento do sistema em ambientes virtuais, e por essa via, otimizar o uso de energia e prever falhas, minimizando o tempo de inatividade e estendendo a vida útil do equipamento.
• Neutralidade do Carbono e Refrigerantes Verdes - a indústria está muito focada em soluções neutras em carbono, adotando refrigerantes com baixo potencial de aquecimento global (GWP) ou mesmo, no caso da Bosch, refrigerantes naturais como CO e propano.
• Melhorias na recuperação, eficiência energética e foco na qualidade do ar interior - os sistemas de ventilação de recuperação de energia (ERV) começam a ganhar popularidade ao permitir melhorar a qualidade do ar interior, minimizando a perda de energia. A adaptação dos sistemas AVAC existentes com componentes e controlos de elevada eficiência é também uma tendência e um passo crítico na redução do consumo de energia em edifícios mais antigos. Por outro lado, a pandemia levou à consciencialização e desenvolvimento de tecnologias avançadas de filtragem, ventilação e purificação do ar. Muitos sistemas AVAC integram agora sensores e ferramentas de monitorização em tempo real para garantir ambientes interiores mais saudáveis sem sacrificar a eficiência energética.
• Sistemas descentralizados e modulares - sistemas AVAC descentralizados, incluindo bombas de calor modulares, permitem responder à crescente procura por soluções flexíveis e escaláveis. Esses sistemas melhoram a redundância e a distribuição de energia, reduzindo os custos operacionais.
Fonte: Bosch
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