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O sector dos edifícios e a certificação energética: a possibilidade e a necessidade de mudança

Manuel Collares Pereira - Membro da ACL, Membro da Academia da Engenharia, Professor Catedrático e Investigador Coordenador aposentado, Consultor Científico da Vanguard Properties*

22/07/2024

Análise do actual Regulamento para Certificação Energética de Edifícios (REH) e sugestões de melhoria.

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É analisado o actual Regulamento para Certificação Energética de Edifícios (REH), explicada a razão da necessidade da sua evolução e apresentadas várias sugestões para um novo Regulamento.  Numa primeira fase, propõe-se que a certificação seja expressa em termos absolutos e recorrendo à Energia Final em cada caso, eliminando, desde já, a certificação baseada em termos relativos e em Energia Primária. Numa segunda fase, sugere-se a inclusão de uma análise mais fina de questões como o recurso à energia solar no próprio edifício (solar fotovoltaica e térmica) alcançando-se a classificação integral ou parcial de NZEB, e a inclusão da questão da pegada carbónica através do recurso a materiais como a madeira (e outos materiais naturais), sobretudo em relação com a importantíssima  questão da inercia térmica que, inadvertidamente e com o actual Regulamento, pode hoje constituir um obstáculo à adopção de novos paradigmas no sector.   

1. Introdução

Certificar energeticamente os edifícios é essencial para a redução global de emissões que permita fazer face às alterações climáticas. Há mais de 20 anos que dispomos de um Regulamento (RCCTE, REH e actualizações) [1,2] que estabelece uma classificação dos edifícios de acordo com o seu comportamento energético.

A actual Certificação Energética de Edifícios [3], de acordo com os certificados emitidos, tem como resultado o que se resume na figura Fig.1. Este resultado reflecte a situação tal como é conhecida, mas não exactamente a situação global, já que foram apenas emitidos até hoje apenas cerca de 2.1 milhões de certificados.

Fig. 1- Classificação energética dos edifícios em 2023, em Portugal, de acordo com os certificados emitidos
Fig. 1- Classificação energética dos edifícios em 2023, em Portugal, de acordo com os certificados emitidos

Do Diário Imobiliário de Março 16, 2023 (directiva 2021/0426 (COD) -on the Energy Performance of Buildings), reproduz-se abaixo a seguinte noticia:

“O Parlamento Europeu aprovou esta terça-feira a directiva relativa ao desempenho energético dos edifícios (documento COM(2021)0802 – C9-0469/2021 – 2021/0426(COD)1), que obriga os proprietários a renovar as suas casas energeticamente ineficientes antes de as poderem vender.

Segundo o documento, os proprietários que possuam uma casa energeticamente ineficiente (classificados F ou G no Diagnóstico de Desempenho Energético) não podem arrendá-la, a menos que a renovem. As habitações classificadas como F e G devem ter classificação E até 2030 e D, a partir de 2033. Em caso de venda, e caso os proprietários não o façam, o comprador tem direito a um desconto no preço equivalente ao valor das obras a serem executadas para garantir o patamar de eficiência energética previsto. (…)

A directiva aponta para que a norma seja aplicada aos edifícios não residenciais (escritórios, lojas, etc.) e edifícios públicos três anos antes de entrar em vigor para edifícios residenciais. A directiva defina ainda que os edifícios novos terão que ter emissão zero a partir de 2026, no caso de serem públicos e em 2028, para os restantes“.

Esta norma não está ainda regulamentada no nosso país, mas espera-se que o venha a ser muito em breve.

Verifica-se assim que o sector será objecto de uma mudança, com fortes consequências para proprietários, arrendatários e compradores que começa já a ser tida em conta pelo sector financeiro e pelas próprias seguradoras.

Neste contexto e nesta breve reflexão, apresenta-se a necessidade de fazer evoluir o Regulamento tal como existe, para ajudar à transição, de modo a torná-lo mais útil na sua aplicação e facilitar o caminho para a redução de emissões e do comportamento energético de todo o sector, permitindo alcançar os objectivos de neutralidade carbónica que estão traçados pela União Europeia para 2050.

De facto, o tempo que passou desde que o Regulamento foi pensado e elaborado, torna a sua abordagem obsoleta em vários aspectos. E menos pratica do que poderia ser, isto é, menos capaz de ajudar os projectistas- arquitectos e engenheiros- a encontrar as melhores soluções para os seus projectos. Desejavelmente, o REH poderá ser cada vez menos visto apenas como uma obrigatoriedade, para poder ser encarado como uma ferramenta de trabalho.

Neste documento explica-se porquê e, depois, fazem-se algumas sugestões para uma evolução que pode e deve acontecer com a maior brevidade.

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2. Mudar o Regulamento

2.1- O regulamento (REH) tal como se nos apresenta hoje

2.1.1 – A ambiguidade e a inutilidade do exercício feito em termos de energia primária

O nosso Regulamento e o de outros países europeus, foram elaborados com base em energia primaria, porque energia tinha origem sobretudo nos combustíveis fósseis [ver Anexo], com a preocupação de se ter um controlo sobre o consumo destes que importava reduzir ou, no mínimo, controlar (por causa das emissões, mas também e sobretudo por causa dos seus custos e dependências geoestratégicas geradas, segurança energética, etc).

Isso introduziu no Regulamento uma complexidade que hoje se compreende não ser necessária. A complexidade vem do facto de se começar por calcular no Regulamento a energia útil/final que caracteriza cada edifício em termos energéticos e, depois, de se fazer um caminho inverso até às fontes de energia primaria (os combustíveis fósseis) que estariam implicados. Isso introduz várias ambiguidades, a primeira das quais sendo que valores usar para a conversão no sentido inverso, em particular na produção de electricidade.

A escolha desta forma de proceder- conversão em energia primária- era particularmente relevante há uns anos atrás, quando não se vislumbrava ainda a extraordinária redução de custos das energias renováveis (ver discussão no Anexo), em particular do solar, muito adaptadas a poderem fornecer energia na produção centralizada, mas também nos pontos do consumo (descentralizada), neste caso nos próprios edifícios, com uma notável redução (eliminação) de emissões de CO2. Mais ainda, há uns anos, com a então nova aposta na diversificação para o gás natural, tratava-se também de potenciar/valorizar a utilização térmica directa do gás (para reduzir o consumo de carvão e petróleo, lograr menores ou outras dependências energéticas e menos emissões)

Fazer os cálculos para a certificação em termos de energia primaria, introduz este primeiro grau de arbitrariedade, já que o peso dos combustíveis fósseis na produção de electricidade e na energia para produção de calor vai evoluindo (diminuindo, no caso português)): o actual coeficiente de conversão (2.5kWhep/kWh no caso da electricidade) não reflecte o facto de ~72% (em média- 2023) da electricidade estar já a ser produzida com energias renováveis. No caso da electricidade, o remanescente, em média, não é todo a gás natural. Mas, admitindo que era, e tomando um valor de rendimento de conversão como o da central a gás da Tapada do Outeiro de 0,55, o factor de conversão deveria ser hoje bem inferior a 1kWhep/kWh!

O que importa reter é que esta contabilidade em termos de energia primária, não acrescenta qualquer valor ao Regulamento e à sua utilização e desfoca o resultado. Quando muito, o Regulamento poderia ter um conjunto de parágrafos que conduzissem ao cálculo das emissões associadas a cada edifício, prosseguindo o cálculo da energia até à contribuição em energia primaria fóssil que a cada edifício ainda se possa associar. E isso feito em termos absolutos, a partir dos valores obtidos para a energia útil/final (Ntc, Nvc, Nic) que são calculados.

Voltaremos ao tema mais adiante, quando falarmos da energia solar, térmica e fotovoltaica, que aparece directamente como energia final, sem passar pela energia primaria fóssil e que fica aqui misturada, sem sentido.

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2.1.2- O método usado pelo Regulamento

Detalhando mais, o Regulamento REH caminhou para uma certificação energética de edifícios, que estabelece uma classificação por classes de A a F, com sinais + e – a estabelecer subcategorias. No caso português, a certificação ficou baseada num conceito relativo (“…segundo padrões típicos admitidos como os médios prováveis”), o da comparação entre o edifício que se quer classificar, com um edifico fictício (padrão, provável) que se toma como referência.

O país está dividido em regiões climáticas e o padrão é estabelecido em termos de consumos de energia útil máximos (Nt, Nv, Ni) aceitáveis para cada região climática (referencia).

O comportamento para a certificação é estabelecido com o cálculo de um factor Rnt, a relação entre os dois comportamentos energéticos, o real a dividir pelo da referência (padrão). O comportamento real introduz, através de uma tabela de rendimentos dos equipamentos propostos (Artigo 18, ponto 2), o conceito de Energia Final. Isso confere ao procedimento mais ambiguidade, já que para os valores de referência (padrão) não houve conversão em energia final (ficou-se pela energia útil).

Por outro lado, a escolha do padrão foi feita há muito anos sobre modelos de construção que, muito possivelmente, hoje não se utilizariam… pelo menos a100%.

A consequência é a de que vão acabar por ser definidas classes de energia menos objectivas, menos relacionadas com as melhores praticas de hoje e até com os melhores equipamentos de hoje. Isto é, o resultado final ganha mais ambiguidade, acaba por perder parte da sua objectividade e de ganhar uma natureza mais qualitativa.

As classes de energia aparecem na etapa de calculo seguinte em que o Regulamento converte todos estes valores em Energia Primária e define que:

-Se o resultado para Rnt for 0.25 ou inferior, estamos perante a classificação A+, de A entre 0,25 e 0,50, de B entre 0,50 e 0,75 e B- entre 0,75 e 1,00.

Hoje, os novos edifícios têm, na pior das hipóteses, que ser B-.

A situação, incluindo todas as classes está resumida no quadro 1

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2.2 Proposta: fazer evoluir e simplificar o Regulamento

Como se explicou o que importa é a forma de obter a Energia Final que nos dará a Energia Útil necessária (e objecto de um cálculo exaustivo no início do procedimento).

Na realidade a Energia Final em cada caso (edifício) é um resultado bem concreto do procedimento que está definido no Regulamento.

Assim, a proposta é:

- Não deixar de calcular perdas e ganhos como está previsto no REH, com as folhas de calculo actualmente definidas, mas utilizar a etapa do cálculo da Energia Final para descrever a performance real do edifício

- Manter apenas a conversão em energia primária, feita também, mas com os coeficientes de conversão final-primária, corrigidos de forma atempada (com frequência), por uma questão de contabilidade da situação do sector (?!).2

- Considerar que as definições para os edifícios padrão são apenas guias que poderão ajudar os projectistas

- Definir a classificação energética em termos absolutos com base na Energia Final (esquecendo o edifício de referencia e a descrição relativa e mais qualitativa actual), i.e. em termos de faixas de valor de kWh/m2 e por ano, para as várias categorias da classificação energética.

Um exemplo de classificação em termos de Energia Final poderá ser:

A+<25kWh/m2

2550B-<100kWh/m2

(…)

A adopção destes valores ou de outros ligeiramente diferentes, poderá ser afinada, já que interessa ter em conta alguma da assimetria climática do país, não criando, com esta definição, exigências substancialmente diferentes de umas regiões para as outras. No limite, é perfeitamente possível manter o actual critério baseado em zonas climáticas e adaptar os valores da classificação para arrefecimento e aquecimento de acordo com estas.

Proceder desta forma, torna os resultados dos cálculos mais directamente inteligíveis e com significado físico, o que não se passa hoje. Ficariam assim muito mais uteis para os projectistas.

Esta alteração (1ª fase) pode ser feita de imediato, sem praticamente se tocar mais no actual Regulamento. Outras alterações (2ª fase) deverão ser feitas como se argumenta de seguida e poderão exigir maior reflexão. Faz parte desta proposta que esse trabalho seja também iniciado o quanto antes, sem condicionar a aprovação imediata da 1ª fase.

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2.3- Outros ajustes: a conversão em energia final

Os cálculos previstos no Regulamento prevêem um conjunto de equipamentos que existiam no final dos anos 90 e início da primeira década de 2000. A tecnologia evoluiu muito e é possível dispor de soluções e equipamentos eléctricos como bombas de calor, recuperadores de calor, placas de indução, etc, com rendimentos muito superiores aos que então foram previstos por defeito. Aliás busca-se hoje uma electrificação progressiva da economia, como forma directa de aumentar a penetração das energias renováveis.

Assim, um outro aspecto, a corrigir é o do destaque dado ao gás, um combustível fóssil que se pretende ir fazendo desaparecer e que aparece ainda com relevo para o cálculo (em default) no caso das AQS (Artigo 15, ponto 6)

1 Directiva: Energy performance of buildings (recast) Amendments adopted by the European Parliament on 14 March 2023 on the proposal for a directive of the European Parliament and of the Council on the energy performance of buildings (recast) (COM(2021)0802 – C9-0469/2021 – 2021/0426(COD))1

2 Na realidade a utilidade do exercício é muito duvidosa na opinião do autor, já que a informação real  sobre as emissões está disponível no consumo de combustíveis fósseis que aconteceu e que se conhece, em cada ano, por exemplo.

* O autor escreve no antigo acordo ortográfico.

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